domingo, 25 de janeiro de 2015

Atletas criativos ou "standardizados". A propósito do "treino do gesto técnico do passe"

"Atletas criativos ou “standardizados”. Depende pois, da forma como se trabalha. Se
recorrermos a uma abordagem complexa, que apela constantemente a decisões por parte
do jovem, com meios ricos (quer dizer, em que se oferece constrangimentos adequados),
temos mais probabilidades de ter sucesso na formação." (José Guilherme, em " A alfabetização motora: do jovem futebolista: do gatinhar ao primeiro golo – parte 1").

Pela minha experiência, essencialmente recolhida através da observação, reparo que a maioria dos treinadores quando querem trabalhar o passe de forma isolada, isolam-no "à bruta". Despojado de qualquer possibilidade de decisão. Ou se faz um frente-a-frente e dois atletas trocam a bola ou se fazem exercícios deste tipo:



Levam-se cerca de 2/3 minutos (quando não mais) a perceber a dinâmica do exercício, para onde é que cada um é obrigado a fazer o passe, e depois este acabou. Não há estímulo, não há desafio, é o "fazer por fazer".
Quer queiramos ou não, encontra-se completamente desfasado do jogo real, por não ter oposição nem existir um objectivo. E então qual será o transfer para o jogo real? Parece-me que pouco, pois estes atletas aprenderam a agir neste contexto específico, sem pressão adversária e logo com demasiado tempo para executar o que lhes vai permitir uma execução perto do seu máximo de skills. Não me interessaria mais que os jogadores conseguissem a sua "execução máxima" no contexto de jogo? Claro que sim, mas isso tem de ser treinado para ser "jogado".

Deixo então dois exemplos utilizados numa sessão (de Sub-11) em que se pretendia isolar o gesto técnico do passe, procurando que este fosse deliberadamente direccionado (precisão) e que estes procurassem sempre a melhor decisão:

Exercício 1:

- Cada atleta defende duas balizas e ataca as duas do adversário, 
sendo que não pode sair detrás das suas duas balizas;
- 1 ponto se o passe entrar dentro de uma baliza adversária e recebida pelo adversário;
- 3 pontos se o passe entrar dentro de uma baliza adversária e se o adversário não a receber (objectivo de "enganar" o adversário);
- 0 pontos se a bola não entra



          1 ponto. Acertou na baliza, mas adversário              conseguiu dominar.


3 pontos. Acertou na baliza e enganou adversário (este não conseguiu dominar a bola) 

Exercício 2:

2 Atletas a defender 2 balizas cada um. 3º numa área delimitada apenas recebe a bola e escolhe uma de 4 balizas.
- 1 ponto se o passe entrar dentro de uma baliza adversária e recebida pelo adversário;
- 3 pontos se o passe entrar dentro de uma baliza adversária e se o adversário não a receber (objectivo de "enganar" o adversário);
- 0 pontos se a bola não entra



          1 ponto. Acertou na baliza, mas adversário              conseguiu dominar.


3 pontos. Acertou na baliza e enganou adversário (este não conseguiu dominar a bola) 

Vídeo do Exercício 2:


.

Nota: O 3º exercício foi semelhante ao 2º mas em vez de apenas um jogador na zona a amarelo, estavam 2, fazendo estes 1x1 

Neste exercício é fundamental a decisão do jogador. Isso será o que diferencia o jogador que vai fazer mais pontos do que fará menos! Porque de certo que o atleta que fizer menos pontos (excluindo a hipótese da execução técnica não ser a mais eficaz) será o mais previsível e o que fez mais pontos será o que agiu e decidiu da forma menos previsível e mais criativa!
Proporcionar um número cada vez maior de possibilidades de decisão aos nossos atletas, estimulando a procura de novas soluções (e se possível num cada vez menor espaço de tempo), diferenciará o jogador que cria e do previsível que gosta de lateralizar.

A concepção deste tipo de exercício requer muito tempo no planeamento das sessões. Partem das necessidades observadas e procura de um desafio enquadrado com o modelo de jogo estabelecido. Mas o mais complexo, passa pelo enquadramento dos exercícios com uma abordagem ecológica que proporcione ao atleta vários contextos de decisão que se alteram constantemente.

"Portanto, mais que memorizar um grande número de regras, de acções, ou de árvores de decisão, os jogadores precisam de desenvolver a capacidade de percepcionar as informações que revelem os caminhos para o objectivo (Davids, Button, & Bennett, 2008)." Retirado de "A DINÂMICA ECOLÓGICA DA TÁCTICA INDIVIDUAL EM DESPORTOS DE EQUIPA COM BOLA", Duarte Araújo