quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

A Utopia de um Modelo de Jogo



Pep Guardiola: "Perfection doesn't exist. Our first halft in Wolfsburg wasn't perfect. It was incredible but we can improve certain aspects".´

E Vítor Pereira, a propósito do detalhe:



O modelo de jogo, terá de compreender toda a especificidade de um "jogar", no mais pormenorizado detalhe. O término de um jogo, ditará sempre aspectos onde estivemos mais ou menos próximos do nosso modelo de jogo.
Um treinador, só poderá ser competente se for um eterno insatisfeito. Não existe o jogo perfeito, não existe o jogo onde não se errou, não existe o jogo onde se diga que, não há possibilidade de melhoria. Existem jogos sim, onde estivemos mais ou menos próximos do modelo de jogo. E daí a aplicabilidade do conceito de "utopia".
Porque num dia em que sentirmos que estamos mais próximos em determinado(s) momento(s) do jogo(s), provavelmente afastamo-nos noutro momento/processo.


A inteligência de um treinador, passa por estar o mais preparado possível para o(s) momento(s) do jogo ou para determinadas especificidades destes, que num jogo específico ele irá sentir mais dificuldades ou poderá explorar.
Passa por criar estímulos durante a semana (do nosso modelo de jogo) que se assemelhem àquilo que provavelmente se irá encontrar e que dêm repetições e contextos suficientes para que em jogo exista a "sensibilização" para esses mesmos estímulos.
Porque é tremendamente difícil que motoramente (e mais ainda quando se fala na formação) que os jogadores consigam estar perfeitamente focados em toda a imensidão de estímulos que o jogo oferece, sendo que o papel do treinador passa por seleccionar durante a semana, os estímulos sensíveis, ou seja, aqueles a que os jogadores devem estar mais alerta, sabendo qe de antemão, que se se prioriza uns, outros passarão para segundo plano (mas não esquecidos).

"Nós já trabalhamos isto" ou "isto já foi treinado" já foi pensado por quase todos os treinadores, e mesmo assim como falhámos? Porque "acertámos" noutros processos aos quais estávamos mais sensíveis.
Porque a perfeição não existe, muito menos no Modelo de Jogo.


quarta-feira, 22 de abril de 2015

As ideias da minha equipa!



Hoje partilho o jogo deste fim-de-semana da minha equipa de Benjamins A.
Não, o vídeo que vão ver em seguida não é de um "mini Barça" ou daquele tipo de vídeos que circulam pela Internet em que miúdos jogam como homens.
Estou inserido numa escola de futebol, onde se prioriza a aprendizagem de conteúdos (o conhecimento do jogo) e onde todos têm oportunidade de competir. Esta é uma equipa de meninos "reais", não existindo qualidades técnicas incomuns, e onde alguns deles se encontram neste momento numa fase de iniciação à competição. Existe no entanto uma enorme vontade de aprender e de trabalhar, e mais que tudo, uma cultura de querer ter a bola.
Neste momento em treino, já foram abordados os 3 primeiros princípios específicos defensivos e os dois primeiros ofensivos, encontrando-nos neste momento a explorar em treino o 3º ofensivo (a mobilidade.
Fica então alguns excertos do jogo deste fim-de-semana, onde estivemos predominantemente em processo ofensivo (peço desculpa pela qualidade da filmagem, mas não existia nenhum ponto elevado neste campo, sendo as bancadas ao nível do solo). Somos os laranjas:


 

Percebem-se algumas ideias gerais do nosso jogo:
- Privilegiar a posse, predominantemente em toque curto, em todo o campo;
- Envolvimento de um grande nº de jogadores nas acções ofensivas, procurando situações de superioridade;
- Tentativa de jogar dentro, onde existem maiores possibilidades;
- Defendemos zona com um bloco alto, reagindo forte à perda, procurando recuperar na zona da bola;
- Incentivo às acções técnicas individuais!!!


Situações como a que acontece no minuto 2:54 (perda de bola à frente da área resulta em golo adversário), provavelmente continuarão a acontecer no futuro, porque não vamos bater longo quando pressionados. E como é que é possível melhorar? Em treino pois claro. Nos treinos existe uma regra que se aplica a todos os momentos da sessão, se alguém bater longo, sem sentido, é marcada uma falta no lugar onde isto aconteceu. Isto não quer dizer que a bola não possa sair do solo, pode claro! Mas só pode se for em passe, e se tiver um colega como destino. Com os "cruzamentos" igual, todos eles têm de ser um passe direccionado para um colega específico e não para a área só porque sim. Isto porque bater bolas é para os preguiçosos, para aqueles que não querem pensar em quem é que vão colocar a bola.
Um grande número de jogadores envolvidos nas acções ofensivas é sinónimo de mais linhas de passe ao portador, permite maior segurança na posse. Como consequência permite que a seguir à perda, se tenha muita gente perto da bola, procurando recuperá-la onde a perdemos. Esta segurança permite que possam ser tentadas acções técnicas individuais com relativa confiança, porque de seguida vamos ter muita gente outra vez para recuperar a bola, e se o adversário bater? Melhor, jogamos lá atrás à vontade e com o nosso Guarda-Redes a dar-nos superioridade.
As nossas maiores dificuldades são técnicas, na capacidade de executar, e aqui só evoluímos se experimentarmos de forma tranquila, sem qualquer medo de errar. Já sabemos que a rua não é como antigamente e não vale a pena tentarmos nos desculpar com isso. Portanto a única forma de inverter será nós trabalharmos em treino a técnica individual dos nossos atletas, e isso não é só colocar os meninos cada um com uma bola a fazer fintas. É por exemplo dar-lhes muitas situações de 1x1 se queremos trabalhar fintas específicas, dar-lhe outro tipo de bolas para jogar se queremos trabalhar o controlo da bola, incentivar as situações de finalização (por exemplo dando mais pontos ao golo quando este é feito de uma determinada forma ou zona), etc. Ou então dar-lhes trabalhos de casa, desafiá-los com exercícios que podem fazer na rua, em casa, na escola. E depois mais importante, dar-lhes tranquilidade para eles praticarem isso no jogo, construindo um ambiente favorável para a ocorrência destas acções. E se falhar? Paciência, a seguir vamos recuperar a bola.
Por último, desvalorizar a importância do resultado final. Este terá de ser a consequência de um bom trabalho feito em campo, nunca abandonando o nosso modelo de jogo. Na minha forma de ver, na formação o resultado não é um indicador de performance, mas sim a capacidade de operacionalizar em jogo os conteúdos e ideias trabalhadas em treino.

Termino com aqueles que costumam ser os pontos comuns das conversas pré-jogo:
- O resultado é uma consequência do nosso trabalho, e nunca o contrário;
- A bola é nossa e o jogo para nós tem dois momentos: o momento em que a temos e desfrutamos, e o momento em que a vamos recuperar!

PS. Se quiserem fazer questões acerca do nosso modelo de jogo ou sobre outra coisa qualquer, disponham!

quinta-feira, 16 de abril de 2015

David Luiz e o 1º princípio específico defensivo

Confesso que não vi o jogo PSG vs Barcelona. Ao ver o resumo do jogo, saltou-me à vista este golo, pela facilidade como o defesa é ultrapassado (e não tem a ver com a finta de Suarez).


David Luiz encontra-se numa situação de 1x1 contra Suarez, e este tem em sua vantagem a velocidade a que conduzia, e o espaço nas costas. Segundo os 1º princípio específico defensivo - contenção, David Luiz deveria ter baixo o seu Centro de Massa, acertado sua velocidade com a do portador, e aguentar a posição esperando pela iniciativa do atacante para ai sim, tentar o desarme.
David Luiz passou imediatamente para o desarme, dando o caminho a Suarez.
Tivesse ele parado meio segundo à frente do portador e este ficava numa situação de 1x4.

domingo, 25 de janeiro de 2015

Atletas criativos ou "standardizados". A propósito do "treino do gesto técnico do passe"

"Atletas criativos ou “standardizados”. Depende pois, da forma como se trabalha. Se
recorrermos a uma abordagem complexa, que apela constantemente a decisões por parte
do jovem, com meios ricos (quer dizer, em que se oferece constrangimentos adequados),
temos mais probabilidades de ter sucesso na formação." (José Guilherme, em " A alfabetização motora: do jovem futebolista: do gatinhar ao primeiro golo – parte 1").

Pela minha experiência, essencialmente recolhida através da observação, reparo que a maioria dos treinadores quando querem trabalhar o passe de forma isolada, isolam-no "à bruta". Despojado de qualquer possibilidade de decisão. Ou se faz um frente-a-frente e dois atletas trocam a bola ou se fazem exercícios deste tipo:



Levam-se cerca de 2/3 minutos (quando não mais) a perceber a dinâmica do exercício, para onde é que cada um é obrigado a fazer o passe, e depois este acabou. Não há estímulo, não há desafio, é o "fazer por fazer".
Quer queiramos ou não, encontra-se completamente desfasado do jogo real, por não ter oposição nem existir um objectivo. E então qual será o transfer para o jogo real? Parece-me que pouco, pois estes atletas aprenderam a agir neste contexto específico, sem pressão adversária e logo com demasiado tempo para executar o que lhes vai permitir uma execução perto do seu máximo de skills. Não me interessaria mais que os jogadores conseguissem a sua "execução máxima" no contexto de jogo? Claro que sim, mas isso tem de ser treinado para ser "jogado".

Deixo então dois exemplos utilizados numa sessão (de Sub-11) em que se pretendia isolar o gesto técnico do passe, procurando que este fosse deliberadamente direccionado (precisão) e que estes procurassem sempre a melhor decisão:

Exercício 1:

- Cada atleta defende duas balizas e ataca as duas do adversário, 
sendo que não pode sair detrás das suas duas balizas;
- 1 ponto se o passe entrar dentro de uma baliza adversária e recebida pelo adversário;
- 3 pontos se o passe entrar dentro de uma baliza adversária e se o adversário não a receber (objectivo de "enganar" o adversário);
- 0 pontos se a bola não entra



          1 ponto. Acertou na baliza, mas adversário              conseguiu dominar.


3 pontos. Acertou na baliza e enganou adversário (este não conseguiu dominar a bola) 

Exercício 2:

2 Atletas a defender 2 balizas cada um. 3º numa área delimitada apenas recebe a bola e escolhe uma de 4 balizas.
- 1 ponto se o passe entrar dentro de uma baliza adversária e recebida pelo adversário;
- 3 pontos se o passe entrar dentro de uma baliza adversária e se o adversário não a receber (objectivo de "enganar" o adversário);
- 0 pontos se a bola não entra



          1 ponto. Acertou na baliza, mas adversário              conseguiu dominar.


3 pontos. Acertou na baliza e enganou adversário (este não conseguiu dominar a bola) 

Vídeo do Exercício 2:


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Nota: O 3º exercício foi semelhante ao 2º mas em vez de apenas um jogador na zona a amarelo, estavam 2, fazendo estes 1x1 

Neste exercício é fundamental a decisão do jogador. Isso será o que diferencia o jogador que vai fazer mais pontos do que fará menos! Porque de certo que o atleta que fizer menos pontos (excluindo a hipótese da execução técnica não ser a mais eficaz) será o mais previsível e o que fez mais pontos será o que agiu e decidiu da forma menos previsível e mais criativa!
Proporcionar um número cada vez maior de possibilidades de decisão aos nossos atletas, estimulando a procura de novas soluções (e se possível num cada vez menor espaço de tempo), diferenciará o jogador que cria e do previsível que gosta de lateralizar.

A concepção deste tipo de exercício requer muito tempo no planeamento das sessões. Partem das necessidades observadas e procura de um desafio enquadrado com o modelo de jogo estabelecido. Mas o mais complexo, passa pelo enquadramento dos exercícios com uma abordagem ecológica que proporcione ao atleta vários contextos de decisão que se alteram constantemente.

"Portanto, mais que memorizar um grande número de regras, de acções, ou de árvores de decisão, os jogadores precisam de desenvolver a capacidade de percepcionar as informações que revelem os caminhos para o objectivo (Davids, Button, & Bennett, 2008)." Retirado de "A DINÂMICA ECOLÓGICA DA TÁCTICA INDIVIDUAL EM DESPORTOS DE EQUIPA COM BOLA", Duarte Araújo