quarta-feira, 15 de outubro de 2014

E quando o resultado não aparece?

Recordemos as declarações de Vitor Pereira acerca do golo no minuto 92.

   

O trabalho estaria lá sempre. Este Porto continuaria a ter dos processos mais bem definidos - e com qualidade - que se viu por cá, e por isso esteve sempre mais próximo do sucesso.
Mudar ideias de jogo conforme os jogos, jogar diferente do treino, até pode resultar a curto prazo, mas as consequências acabarão por aparecer...
Tenho quase a certeza que nenhuma equipa tem como modelo de jogo predefinido ou treina o "chutão", mas sendo assim, porque é que se vêm tantas equipas a utilizá-lo?

Relembro a 2ª mão das meias-finais da ultima edição das Champions. O Bayern perdeu por 4 a 0 nesse jogo, mas nunca abandonou a sua forma de jogar, nunca bateu longo, nunca colocou os defesas a avançados, nunca foi na loucura dos cruzamentos, pelo contrário, manteve-se sempre fiel ao seu jogo.

Numa das melhores experiências que já tive ouvi: "O que não fazes no jogo, não fazes no treino", a propósito de um disparate feito num treino na 1ª fase de criação que resultou em golo. E faz todo o sentido, porque se o treino for sempre enquadrado com o jogo e que permita um envolvimento ecológico, o jogador vai ter sempre um background geral que lhe permita decidir conforme as variantes que vão aparecendo, conforme uma ideia de jogo definida. Porque não é possível pedir comportamentos aos atletas que nunca foram treinados, porque não é no jogo que se iniciam aprendizagens. O jogo consolida os aspectos trabalhados em treino.

E a este nível, devido à pressão dos resultados - por toda a envolvência exterior que hoje o futebol profissional tem - é usual ver as equipas a renderem-se à "vitória a qualquer custo". Mas no futebol de formação isto não tem qualquer sentido. E pergunto, e isto não acontece com os miúdos? Claro que acontece, ao fim de semana, em todos os campos/estádios do nosso país.
Continuam e continuarão a existir treinadores que gritam um jogo inteiro decidindo pelos jogadores, que pedem que "não se invente lá atrás" com o medo do golo sofrido, que têm jogadas estudadas para cada bola parada e que ganham os jogos nesses detalhes. E agora pergunto, e de que serve isso se a equipa não é competente? Se a equipa não respeita os princípios de jogo e nem sequer um modelo de jogo? Equipas de miúdos de 10 anos que defendem "abertos", que andam em correrias atrás da sua marcação individual, que não sabem o que é uma linha de passe e que se limitam a jogar um jogo de matraquilhos autêntico, onde o que chuta mais forte e é mais habilidoso normalmente ganha.
Raça? Garra? Espírito de sacrifício? E quando é que a estas palavras são acrescentadas: Organização e Diversão? Os miúdos têm que sair satisfeitos do jogo pelas fintas que fizeram, pela noção clara das suas tarefas e pela organização que impuseram e não apenas pelo resultado final. O jogo tem de ser prazeroso e não um sacrifício.

E o que resta sem as vitórias? O trabalho realizado e que identifica um grupo.
"O único lugar onde sucesso vem antes do trabalho é no dicionário." Albert Einstein

domingo, 12 de outubro de 2014

A abordagem "deixem os miúdos jogar!"



No clube/ escola de futebol onde me encontro, tive a oportunidade de aprender e evoluir inserido na metodologia e identidade do clube, mas de uma forma "ecológica", ou seja, sempre atentando ao envolvimento, a todas as condicionantes que me permitiram "crescer" ganhando pensamento crítico, ideias próprias e vontade de trabalhar.
Por isso, escrevo sobre aquilo que são as minhas influências, no que diz respeito à metodologia do treino e áreas adjacentes. Não me considerando eu certo e os que pensam diferente de mim, errados.

Segundo Pedro Passos, Rui Batalau e Pedro Gonçalves em "Comparação entre as abordagens ecológica e cognitivista para o treino da tomada de decisão no Ténis e no Rugby" temos que:


Na abordagem cognitivista, "o treinador deve descrever ao atleta com base num modelo ideal de execução quais as principais componentes críticas de uma tarefa" centrando-se "nos atletas e na forma como estes realizam a acção proposta, menosprezando a influência das condições da tarefa e do envolvimento". Torna-se importante que "o treinador prescreva um modelo de execução considerado ideal, de modo a induzir nos atletas uma noção clara do esquema de acção que se pretende que seja interiorizado."

Na abordagem ecológica, defende-se que "percepcionamos a informação presente no contexto para decidirmos e agirmos, e com a nossa acção alteramos a informação do contexto para continuarmos a decidir e a agir e assim sucessivamente". E a acção, "mais do que dependente da capacidade do indivíduo está condicionada pelo que o contexto permite fazer" "sendo a decisão um processo emergente" de procura de soluções para o contexto.
"Então todas as nossas decisões, não farão sentido quando retiradas do contexto, por exemplo, a decisão de um atacante no Rugby em alterar a sua linha de corrida, só acontece porque percepciona a posição de um defesa no seu caminho para a zona de ensaio, e ao alterar a linha de corrida, fá-lo (agindo) para percepcionar o que o defesa irá fazer (qual a sua acção), e assim sucessivamente, da mesma forma, a decisão de um jogador de Ténis em bater a bola para determinada zona do court, só acontecerá porque percepciona que o adversário dificilmente lá chegará em condições para responder com sucesso." "Neste sentido, não é aconselhável determinar à partida qual o gesto técnico que pretendemos que os nossos jogadores realizem".

Este artigo, analisou as duas abordagens, quer para o gesto técnico da placagem no rugby e para o 1º serviço no ténis.

CONCLUSÕES
"Quer para o Rugby como para o Ténis, constatou-se que o grupo da abordagem ecológica, em que o treino assenta numa manipulação dos constrangimentos, é aquele que apresentou durante mais tempo e com maior frequência desempenhos próximos do seu melhor. Conduzir o treino para a procura dos modelos ideais de execução, leva a que os atletas tenham maiores oscilações entre bons e maus desempenhos."

Percebe-se portanto, que a abordagem ecológica proporciona aos atletas uma progressão mais "linear", ao contrário da abordagem cognitivista, que faz com que a performance oscile entre valores mínimos e máximos.

No entanto, o que é a abordagem ecológica? É na sua maior simplicidade o JOGO. Jogo com tudo! Jogos reduzidos, jogos com constrangimentos e tudo o que permita aos atletas decidir, tudo o que crie um envolvimento instável em constante mudança!
Ora de seguida, proponho então um pensamento crítico acerca de alguns  exemplos de exercícios tipo, que costumam incluir filas de espera ou comportamentos padronizados com espaço reduzido para a decisão. Proponho então o JOGO em cada exercício:

Objectivo:
Abordagem cognitivista
Abordagem ecológica
Princípios correspondentes:
1º ofensivo (penetração) e 1º defensivo (contenção.

Objectivo: Mudanças de direcção no drible.
- Duas filas, duas balizas;
- O azul faz passe e fica imediatamente a defender, sendo que o vermelho pode fazer golo numa das duas balizas;
- Acabando a acção, voltam as filas.

- Campo de 1x1;
- Pode atacar qualquer uma das balizas. Defende as duas balizas. Jogo contínuo.



Princípios correspondentes: 1º ofensivo

Objectivo: Realização de dribles e técnicas de finta.
- Em fila, parte o primeiro da fila;
- Dribla pinos azuis. Chegado ao laranja executa finta pedida pelo treinador (ex. tesoura, roleta,etc) e de seguida finaliza;
- Acabando a acção, voltam as filas.


- Situação de 1x1. Cada atleta defende uma baliza definida e ataca a outra;
- Se executar a finta seguida de um golo, este vale 2 pontos.

Princípios correspondentes: 1º e 2º ofensivo (cobertura ofensiva) e 1º defensivo.

Objectivo: Provocar e fixar defesa.
Defesa em inferioridade.



- Situação de 2x1+GR. Duas filas de atacantes (azuis) e uma fila de defesas (vermelhos);
- Ao apito, saem os primeiros de cada fila e realizam situação de 2x1+GR;
- Acabando a acção, voltam as filas.

- Situação de 2x1+GR;
- Equipa em momento defensivo tem de baixar um guarda-redes.

Princípios correspondentes: 3º (mobilidade) e 4º ofensivo (espaço).
3º (equilíbrio) e 4º defensivo (concentração).

Objectivo: Procurar cruzamento para finalizar com superioridade na área.
- Exercício para treino de movimentos padrão (do que mais se vê, e tantas vezes o fiz enquanto jogador da formação);
- Neste caso, procura o cruzamento e finalização na área.
- Acabando a acção, voltam as filas.


- GR+10x10+GR, em meio-campo;
- Duas áreas a azul (nos corredores laterais), que apenas podem ser ocupadas por um jogador da equipa que ataca. A equipa que defende nunca pode ter ninguém na área azul.


Nota: Estes são exercícios isolados, escolhidos ao acaso, que correspondem a objectivos diferentes, portanto compilados, não fariam parte de UMA sessão de treino.

Estando a correr o risco de estar a extremar a abordagem cognitivista, fechando (quase ao máximo) os seus exercícios, é muito isto que se encontra por aí. Os treinadores a quererem controlar todas as acções dos atletas, colocando-os assim em fila, e realizando o exercício à vez, para o treinador poder aprovar ou não a acção realizada, conforme os padrões idealizados por este.
Aquilo que se propõe é muito mais que isso, é libertar os atletas, é oferecer-lhe condições para estarem em actividade motora todo o tempo de um exercício, envolvidos com o adversário, procurando a superação contínua e com um ambiente criado pelos constrangimentos impostos pelo treinador.

Pelo estudo acima citado, percebe-se que uma abordagem ecológica, permitindo aos atletas uma "descoberta guiada" oferece resultados interessantes e mais estáveis que a outra abordagem, então porque não aplicar isso e mais que isso experimentar com os atletas. Vamos reflectir, acham que os atletas preferem num exercício de 15 minutos, estar todo esse tempo em actividade motora, ou preferem estar numa fila, fazendo "o mesmo" mas só 5/6 vezes, estando em acção durante 2/3 minutos? A resposta parece óbvia. Será que os atletas preferem descobrir por si próprios a solução para os seus problemas, ou que alguém lhes impinja uma única solução obrigatória? Até porque no jogo, o treinador não pode mandar parar este, para "indicar" a melhor solução. Portanto é urgente que os atletas comecem a decidir por si e pelo envolvimento, para que o papel do treinador durante o jogo seja cada vez menor!

Vamos cativar os miúdos pelo treino!